A Grande Escalada

Presta atenção que vai ser rapidinho tá? Isso aqui todo mundo conhece...

Você nasce, cresce um pouquinho e já te botam na creche:
- Não sei o que to fazendo aqui, não sei porque minha mãe não quer ficar comigo, mas tudo bem. Sem problemas! Afinal, aqui o pessoal é parceiro: ri junto e chora junto. E essas coisas coloridas são demais! Posso morder?

O tempo passa e quando você finalmente já se acostumou com a creche, te levam para a escola primária:
- Pai, acho que a mamãe te explicou o caminho errado... Não é aqui não hein! Ah, quer saber? Não vou reclamar não. O último era legal, esse aqui também deve ser...

Quando acaba o primário, você já acha que sabe muito e se pergunta com honestidade o que vem pela frente, porque estudo não pode ser. É aí que você ouve falar sobre Ginásio:
- Filho, acorda que o Tio Geraldo já está chegando.
- Acordar para quê? Eu acabei o colégio, lembra? E quem é tio Geraldo? Nunca vi no Natal...

Então, depois de tanto ser enrolado, finalmente chega o Ensino Médio (que passa voando):
- Tchau Pai, tchau Mãe!

E então você pensa:
- É agora! Essa é a hora de fazer acontecer. Vou mudar o Brasil, vou mudar o mundo! Vou começar conscientizando minha família. Estamos gastando muita água e luz. Depois, vou dar aula particular para crianças carentes e contar histórias para idosos. Quando eu terminar de tirar os animais da rua, vou distribuir comida para os famintos. Isso tudo, claro, só será possível porque terei eliminado com a corrupção e a guerra no mundo. E ao final, lá pelos 40 anos, vou sossegar. Aproveitar minha família e aprimorar meus hobbies!
- Calma aí...calma aí! Espera só um pouquinho!? É que essa matéria está difícil e tenho prova semana que vem. Assim que passar a prova, volto aos meus planos. Vai dar tudo certo...


De repente, aquele lugar incrível que te prometeram não existe. Depois da curva, não há um palco onde as grandes autoridades esperam para lhe ouvir, não há pessoas amáveis e acima de tudo, não há brincadeira. Após essa curva comprida que você percorre desde cedo, sem visão clara do que haveria pela frente, simplesmente sonhando com tantos ideais impostos, há uma grande montanha. Ingrime e com algumas pedras escorregadias. Quanto mais você olha, mais se assusta.
Espalhadas pela imensa rocha à frente estão pessoas de todos os lugares, tentando chegar ao topo. Umas se desvincilhando dos trilhos velhos e usados, outras não. Algumas se apoiando nas outras, jogando-as para baixo, enquanto recém chegados até se esforçam para segurar os que caem. Mas não perca tempo assustado, a caminhada é longa e mais pessoas chegam atrás.

Em um certo ponto dessa subida é possível ver outras rochas. E de longe, algumas parecem ter os trilhos mais firmes, a vista mais bonita e até mesmo ser habitada por pessoas mais sorridentes. E aí então, você se pergunta por quê está seguindo aquele trilho. Todos que você conhece estão nessa mesma montanha, seja dentro ou fora dos trilhos e isso importa muito. Te encoraja a continuar subindo, a tirar os pedregulhos do caminho, a sinalizar melhor os passos por onde você passou. Afinal, você conhece muitos que ainda estão por chegar. Mas as vezes cansa quando você faz sozinho. Caminhei tanto para chegar até aqui. É justo perder a subida para consertar os buracos que outros foram deixando? Por que os que subiram não o fizeram? Por que os que sobem comigo, não o fazem? É difícil quando você se dá conta que todos os seus planos foram construídos em cima de uma rocha que se despedaça cada vez mais.



Tenho certeza de uma coisa: quando chegar ao topo, não quero pessoas a quem contar as belezas que eu vi no caminho. Ao chegar lá em cima, eu quero pessoas que me ajudem a lembrar as belezas que vimos juntos. Mas também, não quero arriscar minha escalada e correr o risco de nunca chegar ao topo. Não quero cair. Quero chegar lá em cima e poder ajudar os que ainda sobem.
Enquanto isso, eu continuo subindo esse enorme rochedo. Agora, mais de vagar. Confesso. Tenho pensado mais nos próximos passos. Fugindo das pedras escorregadias, em busca daquelas que me suportarão melhor, para subir mais rápido. E nesses momentos de reflexão, olho em volta. Espero por uma ajuda, quem sabe. As vezes imagino um helicóptero para me deixar mais em cima, ou até mesmo para me deixar em outro gigante rochoso. Mas no fundo, eu gostaria muito que as pedras por aqui parassem de cair.

Enquanto o resgate para a minha inquietação não chega, eu continuo aqui. Subindo. Criando minha própria trilha, vou limpando o caminho para aqueles que quiserem me seguir nessa subida ao gigante, que pode até ter acordado, mas certamente continua despedaçado.

Comentários

Unknown disse…
Nossa, adorei!!! Muito bom!!! ������
Anônimo disse…
Nossa q belo texto,sem palavras...

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