Terra do Nunca

Certa vez, em uma conversa filosófica (para não dizer maluca), um amigo me perguntou: "Cara, você se vê como homem?". Franzi minhas sobrancelhas e esbocei um meio sorriso em resposta. A expressão por si só foi uma ótima reação e traduziu bem o meu "Hã?", enquanto meu rosto se esforçava em não ser desagradável; e em inquietar meus olhos, que passeavam em busca de uma pergunta séria, uma brincadeira de mau gosto, ou até uma piada. Percebendo nitidamente minhas questões ele refraseou: "Você se vê como um homem, ou como um garoto, jovem? A questão é: você se acha adulto?". Não me lembro se respondi a pergunta, mas provavelmente apenas pensei em voz alta. E agora, após anos, a pergunta voltou à tona.

Acho engraçado me indagar sobre isso novamente.
Eu adorava ser criança e como a maioria, já quis ser o Superman, ou o He-Man. Mas também sempre quis ser adulto. Ser "gente grande", como costumávamos dizer, era outro grande sonho. Uma grande espera. E hoje, que tenho tudo para me sentir como tal, não o faço. Pelo menos não do jeito que eu imaginava que seria.
Com o fim da faculdade se aproximando e os planos para o futuro batendo cada vez mais fortes em minha mente, tenho me sentido mais responsável e mais ocupado. Uma descrição que, visualmente, se encaixa perfeitamente com o cara que eu via no espelho. Porém, falta um quê de realização a esse personagem e isso tem sido a única grande diferença entre quem eu sou e quem eu imaginei que seria.

Tenho certeza que estou na profissão certa. Isso fica claro a cada aula de micro controladores, onde apesar do cansaço, tenho certeza que meus olhos brilham. Mas confesso que em meio ao stress do dia-a-dia, venho cada vez mais me perguntando como seria ser músico, escritor, ou fotógrafo. Me pergunto se assim, o passado seria menos assombroso. Se eu teria feito mais do que quis fazer. Se eu teria mais tempo para aproveitar pequenos momentos da vida...

Devido às marcas deixadas pela infância, quando voar parecia ser muito mais que uma simples esperança, sempre me encantei com a história do Peter Pan, mas passei a apreciar ainda mais depois que descobri como foi escrita. Mas ainda assim, quando pequeno, sempre me pareceu um absurdo ser criança para sempre. Talvez na terra dos meninos perdidos houvesse grande vantagem, mas ser criança eternamente no mundo em que vivemos não me soava nada legal. Não haviam preocupações, mas havia hora para dormir, dever para fazer, comida ruim para comer...
Se não fosse na Terra do Nunca, o melhor mesmo era crescer o quanto antes. E assim eu fiz!

Ah, Terra do Nunca, que saudade! Hoje eu preferiria não ter que tomar tantas decisões sozinho; queria poder ter hora para dormir e conseguir dormir sempre na mesma hora; queria que os pequenos sonhos fossem capazes de compensar as desilusões e que a desilusão de um dia fosse apenas não poder voar.
Quando pequeno eu sempre pensei que entendia o significado deste nome. Mas hoje vejo que é muito mais simbólico. Não se trata de um lugar que não existe e sim de um desejo que não pode ser alcançado. Nem como criança, nem como adulto.


* Vale ver o filme "Finding Neverland" ("Em busca da Terra do Nunca"), com Johnny Depp.

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